Avanços na área de saúde mental oferecem novas perspectivas a pacientes psiquiátricos

Hospitais e centros de atendimento administrados pela Rede Fhemig oferecem assistência humanizada, com tratamentos individualizados e equipes multidisciplinares.

Enquanto prepara café, Geraldo, de 48 anos, sonha com o curso de culinária que pretende fazer assim que receber alta. Ele é um dos muitos pacientes do Instituto Raul Soares, um dos hospitais psiquiátricos administrados pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Geraldo, que antes era pintor de paredes, descobriu o gosto pela gastronomia há pouco tempo, durante as oficinas terapêuticas que a instituição oferece para quem precisa permanecer no local para tratamento, sobretudo nos períodos de crise da doença.

Após seis meses de tratamento, Geraldo hoje tem planos para o futuro, oportunidade que foi tirada de muitos portadores de transtornos mentais que, durante os séculos XIX e XX, foram obrigados a viver longos períodos isolados em pavilhões de hospícios, que mais pareciam campos de concentração. A humanização no tratamento dos pacientes, com a redução do número de leitos nos hospitais psiquiátricos e a criação de serviços substitutivos como alternativas à internação hospitalar tem ocorrido de forma gradual no país.

Somente em 2001, com a promulgação da Lei da Reforma Psiquiátrica (nº 10.216/01), uma rede integrada, formada por núcleos de atendimento, unidades de apoio e hospitais-dia, começou, progressivamente, a substituir o modelo antigo. A nova legislação previu uma série de iniciativas para diminuir o número de leitos nos hospitais psiquiátricos e oferecer serviços alternativos que promovam não apenas o tratamento da doença, mas também inserção do paciente na sociedade e na família. Os avanços são gradativos, mas, hoje, já é possível encontrar muitos casos como o de Geraldo nos corredores e jardins nas cinco instituições de saúde mental administradas pelo Governo de Minas – são pessoas com família, profissões, planos e saúde física que, com o tratamento adequado, podem prosperar.

No último mês de abril, após a publicação pelo Ministério da Saúde (MS) do Plano de Ação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), elaborado pelo Governo de Minas Gerais com ajuda dos municípios, o Estado tornou-se o primeiro do país a constituir uma rede de atenção à saúde mental aprovada pelo órgão. No documento, aprovado pelo Governo Federal, foram traçadas as estratégias para ampliar e qualificar a assistência em saúde mental em Minas.

A rede é composta por Atenção Básica em Saúde, Atenção Psicossocial Especializada, Atenção Residencial de Caráter Transitório e Atenção Hospitalar. Trata-se de unidades de saúde destinadas às pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas.

Na Rede Fhemig, as unidades do Complexo de Saúde Mental são referência nacional na prestação desse tipo de serviço e realizam trabalho de excelência, possibilitando que o paciente tenha um atendimento individualizado, de acordo com as suas necessidades. Além disso, a integração com projetos regionalizados da prefeitura, como os Centros de Atenção Psicossocial, permite que o paciente possa continuar seu tratamento fora do ambiente hospitalar em regime de permanência-dia, podendo recorrer a um local mais próximo de sua casa.

Vida fora do hospital

De acordo com o diretor do Instituto Raul Soares e presidente da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), Maurício Leão de Rezende, a desospitalização é um fenômeno mundial em todas as áreas da saúde e, na psiquiatria, não é diferente. Segundo ele, o ritmo desse processo está intimamente relacionado ao avanço da ciência médica, em especial a neurociência, à evolução das pesquisas, dos equipamentos e dos fármacos utilizados nos tratamentos das doenças mentais.

Rezende afirma que, há algumas décadas, não havia perspectivas e nem possibilidade de reintegração social para o paciente que era internado em manicômios. “Era uma espécie de condenação porque, dificilmente, ele saía dali”, explica. Hoje, esse cenário mudou, apesar de haver muito a ser feito ainda. Na avaliação do diretor do Instituto Raul Soares, ainda não é possível prescindir dos hospitais psiquiátricos. Segundo ele, muitas famílias não sabem como lidar com o parente que possui um transtorno mental e o acabam abandonando ou interrompendo seu tratamento. Isso ocorre porque, muitas vezes, quando em crise, esse paciente pode, inclusive, oferecer perigo para as pessoas próximas. “Em nenhum país desenvolvido, mesmo aqueles que possuem alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o modelo hospitalar foi abandonado. O que se busca é reduzir o tempo de internação e buscar o tratamento mais adequado para o paciente, em vez de confiná-lo em uma prisão”, assinala Rezende.

Segundo ele, há pacientes que passam por serviços substitutivos que lhes permitem continuar seu tratamento fora do ambiente hospitalar em regime de permanência-dia. Este é o caso, em geral, de pessoas que não conseguem levar o tratamento adiante por falta de apoio da própria família. “A falta de apoio contribui para a elevação do índice de reincidência, aumentando, também, as chances de cronificação da doença”, informa o psiquiatra.

Atualmente, há no Instituto Raul Soares 108 leitos para internação de pacientes que apresentam casos mais graves. O período médio de permanência, entretanto, é de três semanas. O hospital também possui uma ala de urgência, que faz de 18 a 24 atendimentos diários, além de diversos ambulatórios, cuja divisão é feita por tipos de transtornos mentais. “Dessa forma, as possibilidades de sucesso do tratamento aumentam consideravelmente”, destaca Rezende.

Na opinião do especialista, o hospital é consequência da doença e não uma causa. “O mais importante é oferecer ao paciente serviços de qualidade aferidos por indicadores técnicos, que sejam eficazes no tratamento do transtorno mental”, assevera.

Esperanças no futuro

O caminhoneiro Luiz, de 32 anos, sabe bem o que é isso. Após quatro semanas internado no Instituto Raul Soares para tratar dos problemas desencadeados pela dependência do crack, ele aguardava ansioso a chegada da tia no momento em que concedia entrevista à Agência Minas. Luiz havia acabado de receber alta e contava os segundos para voltar a sua cidade natal, localizada no Triângulo Mineiro.

Esperançoso, ele diz que tanto os pais quanto a esposa estavam otimistas quanto ao sucesso de seu tratamento. “Eles me dão muito apoio”, conta. Mas a história de Luiz poderia ter terminado mal. Antes de ser transferido para o Raul Soares por determinação judicial, ele tinha sido internado em uma clínica particular, situada no Noroeste de Minas, onde ele afirma ter sofrido maus-tratos – situação que, apesar dos avanços na psiquiatria hospitalar, ainda acontece em algumas clínicas e hospitais do país, principalmente no interior. Após sua passagem pelo instituto, Luiz garante que é um novo homem e que vai seguir o tratamento à risca. “Não vejo a hora de voltar a trabalhar e de levar uma vida normal”, comemora.

(Os nomes dos personagens foram trocados pela reportagem)

Fonte: Agência Minas
Foto: Rosimeire Carvalho

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