Despreparadas, penitenciárias mineiras abrigam 500 psicopatas / Entrevista com Drs. Hélio Lauar e Paulo Repsold

Minas Gerais tem 500 presos identificados como psicopatas. Eles representam 1,25% da população carcerária do Estado, de 40 mil criminosos, distribuída por 117 unidades prisionais. São considerados pelo secretário-adjunto de Estado de Defesa Social, Genilson Ribeiro Zeferino, como os detentos mais perigosos e difíceis de lidar. Mas agentes penitenciários denunciam não receber capacitação específica para cuidar desse tipo de condenado, o que deixaria os servidores vulneráveis a maldades e manipulações.

O psiquiatra forense e criminólogo Paulo Roberto Repsold defende a melhor capacitação dos agentes e a separação dos presos comuns dos psicopatas – classificados como perigosos, impulsivos, dissimulados e antiéticos. Para o especialista, é urgente a criação de uma cadeia especial para esse tipo de interno, o que não acontece no Brasil.

De acordo com Repsold, o contato diário entre uma pessoa considerada mentalmente normal e uma que sofre do transtorno psicopático precisa ser evitado. “Essa convivência, dentro ou fora de um presídio, é nefasta e injusta com quem não tem a síndrome”, afirma. Ele alerta que o psicopata prejudica a ressocialização dos outros detentos. “O sistema prisional tem muito a avançar”, diz.

De acordo com o secretário-adjunto de Defesa Social, entre os presos mineiros com diagnóstico de psicopatia estão o estudante de Direito Frederico Flores, 31 anos, e o pintor Marcos Antunes Trigueiro, 32. O primeiro é acusado de extorquir, torturar e degolar dois empresários de Belo Horizonte, em abril do ano passado. O segundo estuprou e matou cinco mulheres entre 2009 e 2010. Ambos estão presos na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na Grande BH, convivendo diretamente com os outros criminosos.

Experiência do dia a dia “ensina” agentes a lidar com criminosos

Adeilton Souza Rocha, diretor do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária de Minas Gerais (Sindasp-MG), diz que o agente aprende a lidar com o psicopata “na marra”. “Os próprios agentes é que vão orientando os colegas sobre como agir. Não há preparo psicológico nem técnico para isso. Mas o risco é constante”, afirma o sindicalista. “Por isso, reivindicamos um curso de capacitação mais específico”.

O treinamento recebido pelos servidores, segundo Rocha, dura de uma a três semanas. Mas abordaria somente temas como Direitos Humanos e noções de técnicas de condução de presos, de normas jurídicas e de administração pública, além dos procedimentos operacionais de rotina da penitenciária.

Mas o secretário-adjunto de Defesa Social acredita que a capacitação atual basta para que o agente possa atuar junto aos presos psicopatas. Genilson Zeferino alega que as características da doença, como a agressividade, são minimizadas por meio do tratamento médico diferenciado ministrado dentro dos presídios.

“Os detentos que têm a psicopatia são os mais difíceis de lidar. Eles são inteligentes, reivindicam mais, brigam com os outros presos e com os agentes. Também são antissociais e, por não terem arrependimento, constroem uma outra versão para seus crimes, se colocando sempre como injustiçados”, diz Zeferino. “Mas, ao mesmo tempo, recebem medicação para reduzir o grau da agressividade e são vigiados constantemente”, garante.

Crime satisfaz desejo pessoal

Distúrbio de comportamento causado por vários transtornos mentais, a psicopatia leva a uma atitude doentia e criminosa e obriga a pessoa a agir de forma transgressora para satisfazer necessidades particulares. O psiquiatra forense e criminólogo Paulo Roberto Repsold explica que a predisposição genética e influências psicológicas e sociológicas ajudam a determinar o quadro.

Estupradores, assassinos em série e pedófilos, entre outros tipos de bandidos, podem se enquadrar no perfil. “O psicopata tem necessidades anormais e doentias e a satisfação delas é alcançada por meio de um comportamento criminoso”, diz o especialista. “A pessoa é viciada em cometer maldades”.

O psiquiatra forense Hélio Lauar de Barros afirma que o diagnóstico correto de um psicopata é feito apenas por médicos. Mas orienta todas as pessoas a se relacionarem de modo cauteloso.

“Devemos estar sempre atentos aos princípios éticos do outro. Não podemos nos entregar inocentemente ao contato com terceiros”, alerta o psiquiatra.

Cadeia não inibe assédio

Atrocidades não impedem que criminosos, psicopatas ou não, sejam assediados mesmo quando estão atrás das grades. Mulheres que querem se relacionar com os detentos costumam enviar cartas até para aqueles que confessaram a culpa.

Preso em 1998, o motoboy Francisco de Assis Pereira, conhecido como “Maníaco do Parque”, recebeu mais de mil cartas só no primeiro mês em que esteve na cadeia. Condenado por estuprar e matar nove mulheres em São Paulo, ele acabou se casando com uma das admiradoras, Marisa Mendes Levy, formada em História e de família de classe média alta. Mas a união terminou em 2002.

Em Minas Gerais, Marcos Antunes Trigueiro, o “Maníaco do Industrial”, e Frederico Flores já receberam 15 e duas cartas de fãs, respectivamente. O levantamento é da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds).

O goleiro Bruno Fernandes Souza não tem o diagnóstico de psicopata, mas também acumula correspondências. Preso na Penitenciária Nelson Hungria sob a suspeita de matar a ex-namorada Eliza Samudio, ele recebeu 30 cartas até agora.

Segundo o secretário-adjunto de Defesa Social, Genilson Zeferino, é comum o interesse de algumas mulheres por psicopatas que cometem crimes sexuais. “Isso mexe com o imaginário feminino. Muitas mandam cartas e pedem para visitá-los. As correspondências chegam até eles, mas a visita é impedida”, diz Zeferino, que é psicólogo.

De acordo com o psiquiatra forense Hélio Lauar de Barros, algumas mulheres fantasiam ser objeto de desejo de um homem. “Uma das dimensões dessa vontade é o masoquismo. Nessa condição, elas costumam se desviar do caminho que as tornam sujeito de sua própria história, reduzindo-se a uma posição alienante e perigosa”.

Para o psiquiatra forense Paulo Roberto Repsold, por trás do assédio podem estar carência afetiva profunda e ingenuidade.

Fonte: Jornal Hoje em dia – Carolina Coutinho – Repórter – 14/03/2011 – 09:24