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Reunião Multidisciplinar atrai público leigo

A abordagem do crack nas diversas especialidades médicas foi o tema da reunião multidisciplinar do dia seis de abril, na sede da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG).

O tema foi discutido pelos departamentos de psiquiatria, gastroenterologia e nutrição, ginecologia e obstetrícia, neurologia e terapia intensiva da Associação. Ainda participaram do encontro, familiares e dependentes da droga.

Para o presidente da AMMG, Lincoln Lopes Ferreira, é necessário nos adaptarmos e criarmos modelos que condizem com a nossa cultura: “Não somos ingleses, franceses ou argentinos, somos brasileiros e tudo deve ser que ao nosso modo”. De acordo com o presidente da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), Maurício Leão, que presidiu a mesa de debates, a falta de diálogo entre os vários atores que envolvem os narcóticos é notória. “O crack é uma questão multidisciplinar, na qual o poder público, os agentes de saúde e os familiares dos dependentes têm que falar a mesma língua.”

Pesquisa, realizada em 2005, pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), disse que cerca de 2,4% dos homens são usuários de crack e 0,6% é o número de mulheres usuárias. A média da população brasileira que utiliza a droga é de 1,5%. Segundo o diretor da AMMG e da AMP, Paulo Roberto Repsold, que abordou a rede de assistência pública para o tratamento da dependência do crack, não há dados mais recentes, no entanto, estima-se que a porcentagem já é muito maior.

Ainda segundo Repsold, há transtornos mentais em decorrência ao uso da droga, entre eles prejuízo laboral, pessoal e de convívio social. Ocorrem também alterações físicas causadas por possíveis doenças decorrentes da dependência química. “Normalmente, os dependentes de crack morrem antes que se possa perceber todos os transtornos psiquiátricos”, esclarece. O especialista avalia que a rede pública precisa se preparar, pois o estado de intoxicação, seguido de abstinência à droga, pode requerer internação. “Ela pode ocorrer de forma compulsória nos casos crônicos de dependência, quando o indivíduo está doente e perde a capacidade intelectual e a vontade própria.”

O modelo de atenção à saúde existente, conforme Paulo Repsold, prevê o atendimento primário com vacinas para evitar doenças, tratamento da doença na fase secundária e recuperação das sequelas no último momento. Para condições crônicas e agudas, o psiquiatra diz que os serviços são de reabilitação psicossocial. “Considero que para reabilitar o dependente de crack ele deve ser encaminhado também aos grupos de apoio, moradias assistidas temporárias e aos hospitais psiquiátricos.” A visão da Organização Mundial de Saúde, contou Repsold, é que se deve investir em prevenção, pois para cada dólar gasto na atenção primária, dez dólares são economizados em tratamento; e para cada dólar gasto em tratamento, sete são economizados com problemas socioeconômicos.

Problemas provocados pelo consumo do crack
De acordo com a neurologista Maria do Carmo Vasconcellos Santos, as crises convulsivas são muito comuns em dependentes de drogas. “De 3% a 8% delas estão relacionados ao abuso de crack.” Santos complementa que pacientes epiléticos têm maior risco de convulsões pelo uso da droga. “Crises prolongadas, acima de cinco minutos podem apresentar dados neurológicos irreversíveis”, alerta a neurologista. Ela pondera que o tratamento deve ser multidisciplinar e com medicação específica.

Durante o encontro também foram abordados os aspectos nutricionais dos dependentes de crack pela professora titular da faculdade de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria Isabel Toulson Davisson Correia. “Pacientes de crack são potenciais desnutridos. O consumo do crack simula no organismo a ação da adrenalina e da dopamina, fazendo com o que a pessoa não tenha apetite. Comer para quê se tem o prazer da droga? O usuário não sente fome e perde peso rapidamente. Já viram algum obeso utilizando essa substância? A desnutrição se caracteriza pelo estado no qual o indivíduo não consegue comer sequer para se manter nutrido”, exemplifica.

Os participantes também puderam saber um pouco mais sobre as alterações hepáticas relacionadas à dependência da droga com a gastroeterologista, Luciana Diniz Silva. Segundo ela, o dependente apresenta exames laboratoriais bastante alterados e alertas físicos como ausência de jugulares. “A insuficiência renal progressiva pode aparecer mais rapidamente em pessoas que associaram crack e cocaína, podendo levar à necessidade de diálise.” Outros sintomas aparentes nos dependentes são arritmias cardíacas, espasmos, convulsões, isquemia intestinal, entre outros. Silva reafirma a opinião de Repsold de que nem sempre o usuário vive ao ponto ter todas as complicações possíveis de uma dependência química. “Quem usa o crack geralmente já fazia uso de outras drogas, o que aumenta a pré-disposição à doença hepática e também a infecções.”

Gestantes que fazem uso da droga podem ter complicações obstétricas, de acordo com o ginecologista Frederico Peret. “Podem acontecer problemas durante o pré-natal que levam o bebê a sofrer hidrocefalia, fissura labial e outros”, explica. Peret adverte que o sistema nervoso central da criança em formação também pode ser afetado. “Pode haver deslocamento prematuro da placenta e, consequentemente, parto prematuro. O bebê pode nascer com baixo peso. A mãe pode apresentar irritabilidade durante uma possível abstinência neonatal.” O especialista contra que o desenvolvimento infantil também poderá ser afetado com restrição de crescimento, problemas com a dicção, aprendizado e linguagem.

Encerrando a parte científica, o cardiologista Saulo Peconick Ventura abordou o tratamento da overdose de crack.

Crack e seu impacto nas famílias
Dando início ao debate aberto ao público, o psiquiatra Frederico Duarte Garcia, estudioso das dependências químicas, explica que o uso de drogas pode trazer impactos negativos para todos os membros de uma família. “O dependente químico sofre alterações que mudam o seu comportamento e a forma de interagir o mundo. Ele tem dificuldades para gerir suas emoções; fica intolerante às frustrações e à ansiedade; torna-se mais impulsivo; tende ao comportamento ambivalente, pois sabe que a droga faz mal, mas mesmo assim usa; e ainda pode passar pela fase de ausência de reconhecimento da doença.”

Garcia explica que os comportamentos citados podem fazer a família sofrer junto com o dependente de drogas, gerando o estado de codependência. Como exemplo, ele citou o caso de mães que sobem o morro e compram a droga para o filho consumir dentro de casa e ficar longe da violência das ruas.

Na plateia, familiares e ex-usuários de droga se manifestaram afirmando que sabem que o problema atinge toda a família, mas que eles não encontram na rede pública um apoio direcionado a todos os atores envolvidos com o dependente químico.

“O tratamento deve ser para toda a família desde o momento em que se identifica a dependência e à necessidade de uma internação compulsória, e com acompanhamento após o paciente receber alta”, diz o especialista. O que a família pode fazer? A pergunta foi respondida por Garcia com dicas do que, na prática, as famílias têm como fazer de imediato: “É necessário dar suporte e reforçar o funcionamento familiar; aumentar o contato entre estudantes e suas escolas; tornas as comunidades mais seguras e suportivas para crianças e jovens; promover desenvolvimento de relações duradouras com adultos cuidadores; promover o envolvimento com atividades fora da escola”.

Uma solução apontada por Frederico Duarte Garcia é a criação de políticas que visem à prevenção e o atendimento multidisciplinar de pacientes que abusam de crack de outras drogas. Ele conclui que deve haver uma rede de contato entre os atendimentos para ajudar na identificação da rotina do paciente e de sua família.

A próxima reunião multidisciplinar acontece no dia 11 de maio, com o tema ‘Movimento é vida. Vida pede movimento’, tema da campanha da Sociedade Mineira do Exercício e do Esporte (SMEXE). O evento é aberto à população, médicos, residentes e profissionais de outras áreas da saúde. Mais informações sobre a programação dos outros eventos pelo telefone (31) 3247 1619.