Audiências sobre Cersams colocam a saúde mental em xeque
Deputada, autora do pedido de audiência na ALMG, afirma que vai marcar reunião na Secretaria de Estado de Saúde para pedir menos leitos para a saúde mental no estado
Os dias 24 e 25 de agosto foram marcados por dois importantes eventos para a saúde mental. Duas audiências aconteceram, um dia após o outro, para discutir o mesmo tema: o pedido de interdição ética dos Centros de Referência em Saúde Mental (Cersams) de Belo Horizonte pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG). As audiências aconteceram primeiro na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e a segunda na Câmara Municipal de Belo Horizonte. A última foi solicitada pelo próprio CRM-MG ainda no mês de junho para esclarecer aos vereadores os motivos da decisão entidade e abrir a discussão sobre a situação atual da saúde mental na capital.
Após o fechamento do Hospital Galba Velloso, o CRM-MG fez visitas técnicas aos Cersams para avaliar a situação e infelizmente foram verificados uma série de problemas que prejudicam severamente o atendimento aos usuários e o trabalho dos médicos. Falta de profissionais e as consequentes inexistências de equipes completas e de diretores técnicos, foram alguns dos problemas encontrados relatados pela presidente do CRM-MG, Cibele Alves de Carvalho. Por isso, e pela falta de resposta ao relatório enviado à Secretaria Municipal de Saúde, a entidade se viu obrigada, como último recurso, a pedir a interdição ética aos Cersams.
Representando a AMP, o psiquiatra Maurício Leão, alertou, para os participantes da audiência da Assembleia Legislativa, a necessidade de um questionamento sobre o funcionamento dos Cersams já que existem dados que comprovam que a estrutura de atendimento à saúde mental na capital precisa de melhorias. Segundo Leão, os dados levantados comprovam a desassistência e a necessidade urgente se serem revistos os procedimentos. Já a representante do movimento Renova Galba, Dagmar Abreu, iniciou sua fala enaltecendo o trabalho do SUS e da Rede de Apoio Psicossocial (RAPS). Ela alertou que o Hospital Raul Soares tem enfrentado para conseguir absorver a demanda de internação e que há limitações. Dagmar lembra que as cidades do interior que tenham CAPS3 não podem internar pacientes no Raul Soares, por exemplo. Ela salientou ainda o excelente trabalho que era oferecido pelo Hospital Galba Velloso, a sua importante interlocução com os Cersams e com familiares dos pacientes. Ela explicou que os Cersams e os hospitais psiquiátricos da capital são complementares, sendo necessário o trabalho de ambos para um atendimento adequado. Outra fala de destaque foi da presidente da Comissão de Saúde Mental da OAB-MG, Luciana Chamone. Ela narrou o histórico de participação da OAB na luta antimanicomial e da criação em 2019 da Comissão de Saúde Mental da entidade. Chamone relatou que o grupo que ela preside acompanha com preocupação o avanço dos números de doenças mentais e os casos de suicídio. Já a representante da FHEMIG, Ana Carolina Haddad, explicou a necessidade de utilizar o Hospital Galba Velloso para atender os casos de covi-19 na capital e que o Raul Soares continua absorvendo a demanda da saúde mental sem maiores problemas. Logo a seguir a fala de Haddad, a deputada Beatriz Cerqueira disse que vai pedir uma reunião na FHEMIG para analisar os leitos de saúde mental no estado. “Como membro proponente da Frente Parlamentar da Luta Antimanicomial vou pedir uma agenda com a Secretaria de Estado de Saúde e com a FHEMIG de forma que nós possamos pensar como é que a gente consegue avançar numa política pública que seja de menos leitos, menos manicômios, menos hospitais psiquiátricos, menos internações, dentro do debate que estamos trazendo nessa audiência”, afirmou a deputada.
Para Cerqueira, autora do pedido da audiência na Assembleia Legislativa, o evento teve como objetivo escutar os trabalhadores dos Cersams. Para a deputada é necessário ouvir as pessoas que estão no dia-a-dia dos centros para entender as suas realidades. Além das pessoas citadas acima, foram convidados ainda a falar na audiência a vereadora Macaé, a psicóloga e militante da luta antimanicomial do Fórum Mineiro de Saúde Mental, Marta Elizabeth de Souza, a integrante do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, Daniela Gomes, a superintendente das Redes de Atenção à Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde, Amanda Santos Silva, o secretário de cuidados e prevenção às drogas do Ministério da Cidadania, Quirino Cordeiro Jr., o psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo, a presidente do CRM-MG Cibele Alves, gerente de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, Fernando de Siqueira Ribeiro, Bruno Pedralva, a usuária do Cersam, Laura Fuzaro, o integrante do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, Fabrício Ribeiro, a representante do Conselho Regional de Farmácia, Júnia Célia de Medeiros, a integrante do movimento Médicos e Médicas pela Democracia, Vera Prates e a terapeuta ocupacional da Rede de Saúde Mental do Recife, Catarina Nascimento. Lembrando que os convidados são de responsabilidade dos organizadores das audiências na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
No dia seguinte, a Câmara Municipal de Belo Horizonte recebeu a audiência que discutiu o mesmo tema, mas com o objetivo de explicar aos vereadores, quais as razões levaram o CRM-MG a pedir a interdição ética dos Cersams. Também preocupados com a decisão da entidade um grupo de vereadores visitou os Cersams da capital e conseguiram verificar os problemas e as grandes qualidades desses equipamentos de saúde. Para iniciar a audiência o vereador José Ferreira pediu que fosse transmitida uma matéria da TV Globo Minas sobre a situação da saúde mental após o fechamento do Galba Velloso e a situação da saúde mental na Cidade. Após a veiculação da matéria, o próprio José Ferreira relatou a sua visita aos Cresams e relatou que muitas coisas não funcionam lá por causa da gestão. Segundo Ferreira ele encontrou profissionais muito bons e desenvolvendo um trabalho de muita qualidade, mas que faltam investimentos adequados. O vereador Wilsinho, em sua fala, lembrou do papel do legislativo na cobrança e no diálogo junto à prefeitura para a melhoria do atendimento dos Cersams. Ele visitou dois desses espaços e relatou sua emoção pelo viu. Wilsinho fez um apelo aos 41 vereadores de BH para que se preocupem com os Cersams e que exista abertura na câmara para se discutir o assunto.
Logo depois a presidente do CRM-MG Cibele Alves, explicou que a entidade não quer o fechamento dos Cersams, mas tem obrigação de fiscalizar e buscar a segurança de médicos e pacientes nos espaços de atendimento. Na verdade, segunda Cibele, a entidade não tem o poder de fechar os Cersams. Ela relatou que o CRM-MG produziu os relatórios sobre os Cersams descrevendo os problemas que esses equipamentos vivenciam. Esses relatórios foram enviados à Secretaria Municipal de Saúde e como não houve nenhum retorno a entidade se viu obrigada, como última medida, a pedir a interdição ética dos Cersams. Cibele relatou que esses espaços não contam com médicos, principalmente no período noturno, o que leva a ser preocupante os possíveis efeitos negativos de alguns medicamentos para os pacientes. Outros problemas são a falta de equipes completas e que os Cersams não têm um diretor técnico, responsável pelos trabalhos. O evento ainda contou com a presença de Rafael Bernardon coordenador de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, do Ministério da Saúde. Em sua fala Bernardon afirma que há dados preocupantes no número de suicídio e de doenças mentais no Brasil. Para ele, é preciso ter coragem para corrigir os rumos na evolução dos cuidados de na saúde mental. Segundo Bernardon é necessário repensar e reconectar a saúde pública analisando dados para a tomada de decisões. Renata Mascarenhas, representando a Secretaria Municipal de Saúde, enfatizou a importância do diálogo e das sugestões pautadas pelo tratamento em liberdade. Segundo Mascarenhas, em “Belo Horizonte nós temos uma rede de saúde mental que inicia o cuidado na atenção primária, nós temos 152 centros de saúde com equipes de saúde mental que atendem crianças e adolescentes e adultos com sofrimento.” Ela cita a necessidade de que a atenção primária seja “resolutiva” não precisando que os pacientes sejam atendidos por outras instituições da rede de atendimento. Mascarenhas afirmou ainda que a prefeitura está em mãos de um estudo de reformulação de toda a rede de atendimento à saúde mental e que a intenção é aumentar o número de profissionais. “Belo Horizonte tem uma história de construção de rede de saúde mental e que cuida de pessoas de baixa complexidade até altíssima complexidade com mais de 300 profissionais de saúde mental. Então é junto que vamos qualificar cada fez mais, mas sempre com a premissa pela ética antimanicomial, pela ética e compromisso do tratamento em liberdade, sempre pensando no melhor para o nosso usuário”, pondera.
Além dos citados acima, ainda falaram na audiência da Câmara Municipal de Belo Horizonte o vereador Claudio do Mundo Novo, a vereadora Flávia Borja, o vereador Wilsinho, o integrante do movimento Renova Galba, Diego Rodrigues, o secretário de cuidados e prevenção às drogas do Ministério da Cidadania, Quirino Cordeiro Jr, o psiquiatra e presidente da ABP Antônio Geraldo, a presidente da Comissão de Saúde Mental da OAB-MG, Luciana Chamone e o diretor do Sinmed-MG, Arthur Mendes.