Último dia de simpósio é dedicado aos moradores de comunidades afetadas por barragens e às políticas públicas na pandemia

O I Simpósio sobre pandemia, barragens, e políticas públicas em Minas Gerais trouxe alguns dos mais importantes temas que afetam a saúde mental no estado atualmente. Em seus três dias políticos, médicos, profissionais de saúde, educadores, membros do Ministério Público e Defensoria Pública estaduais e familiares de pacientes tiveram a oportunidade de trocarem experiências e vivências sobre a saúde mental hoje em Minas Gerais. Com organização da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), o evento teve ao todo quase 10 horas de exposições e debates totalmente online e gratuito.

 Logo na abertura o psiquiatra Diego Tinoco falou sobre Impactos dos traumas e situações de estresse nas comunidades em áreas de barragens.  Ele lembrou que o rompimento da barragem B1 no município de Brumadinho se deu no dia 25 de janeiro por volta das 12h28, horário em que mais de duas centenas de funcionários da Vale, dezenas de moradores e visitantes estavam na rota por onde a lama iria percorrer. A tragédia matou 272 pessoas em um dos maiores desastres da mineração em todo mundo.

Para Diego o problema não ficou somente no dia do desastre. “No domingo após o desastre, às 5h30 da manhã uma sirene tocou com a notícia ‘atenção evacuem imediatamente a área, procurem um local mais alto da cidade’. Imagine só dois dias após o evento trágico como aquele uma sirene toca informando que uma outra barragem poderia romper”. Para ele a iminência de risco de vida não foi experimentada só pelas pessoas que estavam no local do rompimento. “O próprio relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito concluiu que 24 mil moradores do município de Brumadinho foram evacuados”. Diego chama atenção para o fato de o Transtorno do Estresse pós-traumático não ser a única consequência de um grande trauma. Outras doenças podem surgir como a depressão, transtorno de ansiedade generalizada, dependência de álcool e de drogas ilícitas e doenças cardiovasculares.  Também o aumento de tentativas de suicídio ou sua consumação são registradas nesses casos.  

Confirmando o depoimento anterior, o morador de Brumadinho, Mauro Soares, em sua fala, relatou um grande aumento de casos de infartos, AVC’S, dependência de drogas e bebidas alcóolicas no município. Para ele os direcionamentos dados pela Vale nas negociações são motivos para o enfraquecimento da saúde da população. “A Vale não cumpre com os compromissos assumidos. A Vale quer a discórdia, ela alega que fez o que não fez”, denuncia. E relata “a cada coisa boa que acontece tem umas 15 de ruins, porque a Vale não matou só naquele dia. Ela continua matando a cada dia que passa, todos os dias é uma notícia ruim. É uma forma de conduzir errado conosco. As pessoas estão tentando suicídio, as pessoas estão depressivas”.

Após o emocionante relato do Mauro Soares no qual os participantes conseguiram ter a dimensão do que acontece hoje em Brumadinho, foi a vez do psicólogo e Capitão do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, Eduardo de Paula Lima. Em sua fala ele contou como foram os trabalhos dos bombeiros nos socorros as vítimas do desastre e como a corporação também foi afetada pelo rompimento da barragem B1. Ele recorda que a Operação Brumadinho contou com 1850 bombeiros, 101 máquinas pesadas, 31 aeronaves e 40 equipes. “Era necessário criar uma situação que garantisse a saúde dos bombeiros para eles poderem trabalhar e por isso foi montado um posto de saúde avançado no local onde eles se reuniam para iniciar os trabalhos”, lembra. Capitão Eduardo relata como foram desenvolvidos os trabalhos. “O nosso objetivo como equipe de saúde era exatamente avaliar as condições de prevenção integrando ao serviço operacional dos bombeiros de maneira a garantir que a resposta efetiva dos bombeiros fosse garantida”. Ele ainda relata como é a relação da corporação com os moradores dessas áreas afetadas e como os bombeiros estiveram também vulneráveis aos adoecimentos em decorrência dos trabalhos na área.

Logo depois foi a vez do defensor público Antônio Carvalho Filho falar sobre o assunto. Ele lembrou do caráter catastrófico do rompimento. “O rompimento traz para a realidade do brasileiro uma catástrofe muito grande e às vezes as pessoas não estão preparadas para lidar com isso.” Ele aponta que o luto repentino de um evento dessas proporções traz adoecimento mental e como defensor público ele sempre considerou muito importante o acompanhamento psiquiátrico e psicológico. “Acompanhando os trabalhos de Brumadinho e antes em Mariana é possível compreender que há sim reflexos na psique humana que são pontos que devam ser cuidados”. Antônio Carvalho ainda aponta a questão da vulnerabilidade dessa população que foi afetada. “O rompimento afetou pessoas que já eram vulneráveis socialmente e que não tinham nenhuma outra forma mais tranquila de vivenciar essa tragédia”. Ele ainda fala sobre os aspectos perversos da mídia que transformou algumas vítimas como atingidos símbolo. “Aquelas pessoas que eram sempre mostradas pelas matérias jornalísticas como a demonstrar o sofrimento das pessoas atingidas pelo rompimento. Essas pessoas eram levadas, a cada momento, a mostrar o sofrimento, eram vistas não como uma pessoa em sua individualidade, não como uma pessoa que merecia carinho, mas como objeto de uma exposição midiática para que o evento do rompimento, que foi catastrófico, fosse um evento de alguma maneira lucrativo dentro dessa lógica de mercado”.

Para fechar a primeira mesa foi convidada a representante do Ministério Público de Minas Gerais, Lizeane Lima. No início de sua fala, ela ressaltou a importância dos trabalhos nos territórios junto aos moradores e pessoas afetadas pelo rompimento da barragem B1. Lizeane falou também dos trabalhos realizados pelo Ministério Público de Minas Gerais e da criação da Coordenadoria Estadual do Meio Ambiente e Mineração. “Existe muito a fazer e vamos dedicar todo o nosso esforça a isso. E é importante falar sobre o ajustamento no âmbito da segurança de barragens, dos Dam breaks e mapas de inundação que começam a trazer uma transparência maior para a própria comunidade”, aponta.  Lizeane lembra que não é fácil lidar com as questões que envolvem as comunidades afetadas. “É importante  estar junto com essas comunidades e no acompanhamento de todas as barragens que vão estar em processo de descomissionamento e outros cenários para além de Brumadinho”.  

Após o fechamento da primeira etapa deu-se início a segunda mesa com o tema Políticas Públicas em Psiquiatria durante e após a pandemia covid-19. Essa última parte do evento contou com a presença do presidente da AMP Humberto Correa, a psiquiatra Dagmar Fátima de Abreu, o vereador de Belo Horizonte Wesley Moreira, a deputada estadual e delegada Sheila P. de Mello e o diretor do Departamento de Formação Desenvolvimento e Fortalecimento da Família da Secretaria Nacional da Família, Marcelo Couto Dias. Nessa etapa ressaltou-se os problemas que a saúde mental enfrenta no âmbito das políticas públicas no país. Foram apontadas as realidades que afetam a psiquiatria como a falta de recursos financeiros que hoje têm orçamento proporcionalmente menor que há 20 anos. Hoje o Brasil tem menos de 1/3 dos leitos necessários para os cuidados de saúde mental, segundo a Organização Mundial de Saúde. Belo Horizonte tem atualmente nove mil moradores de rua com doenças mentais e 12% da população carcerária tem casos graves dessas enfermidades. O número de suicídio em todo o mundo tem reduzido nos últimos 20 anos e no Brasil aumentaram 40%.

Para acompanhar o último dia do I Simpósio sobre pandemia, barragens, e políticas públicas em Minas Gerais acesse:

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


− 1 = oito