O Uruguai e o suicídio entre policiais: “Desafiados a servir, alentados a vivir”

Trabalho realizado pela ONG Último Recurso revela a realidade social e econômica do país vizinho

A conferência SUICIDIO Y POLICÍAS: SU RIESGO E SU ROL COMUNITÁRIO EN PREVENCION trouxe muito da realidade das forças policiais de nossos vizinhos uruguaios, mas também contou um pouco da realidade oriunda da história política do país e das suas questões sociais. As psiquiatras uruguaias Silvia Pelaez e Maria José di Agosto apresentaram o trabalho que desenvolveram em todo país com policiais em diversos estágios de sofrimento.

Os números de suicídio entre policiais no Uruguai têm o dobro de casos se comparados a outras profissões no país. Assim como médicos, os policiais são o grupo com maior incidência de suicídio no país, mas com causas bastante diferentes. Ser policial no Uruguai não é uma opção, mas uma necessidade para sobrevivência de uma parcela da população. As condições de vida e de trabalho desses profissionais são bastante complexas e, muitas vezes, o suicídio passa a ser encarado como a saída viável para eles.

Logo que os policiais são diagnosticados com uma tendência suicida, são lhes retiradas as armas para tentar evitar que eles tentem o autoextermínio. Mas em decorrência disso, eles aprofundam os problemas financeiros, já que seus salários são impactados por essa medida. Silvia Pelaez e Maria José chamam atenção dessa realidade preocupante e como esta é uma população esquecida pelo pode público e pela população em geral.

Para elas, trabalhar a imagem de qualquer suicida é fundamental para a reconstrução da autoestima e para avançar em um tratamento satisfatório. Os policiais que fazem patrulhas são os que mais comentem suicídio e várias são as causas para isso. Geralmente os policiais moram, assim como no Brasil, em casas próximas às residências de bandidos e sofrem muita pressão por isso. Os patrulheiros, muitas vezes, por falta de recursos dormem dentro das próprias viaturas e relatam que são desrespeitados pela população em geral. Segundo relataram para Silvia e Maria José, a “população chama a polícia quando precisam, mas nem agradecem”.

Dictadura cívico-militar

Outra questão ainda bastante presente no país é a ligação da imagem dos policiais com a ditadura militar no Uruguai (1973-1985). Segundo as psiquiatras há muitos relatos de policiais que nem nascidos eram durante o regime de extrema-direita, mas que são acusados como se fossem culpados por mortes e torturas. Há, segundo elas, uma atmosfera muito negativa em relação às forças policiais, mesmo sobre aqueles que nem conheceram a ditadura e, claro, não participaram das centenas de assassinatos e torturas por todo o país.

Ultimo Recurso

Silvia Pelaez e Maria José di Agosto fazem parte da ONG Último Recurso especializada em suicídio e trabalharam com policiais em todas as 19 províncias (departamentos) do país.  A ONG foi acionada quando aconteceram registros de muitos casos de tentativas e de suicídios entre policiais. Isso aconteceu principalmente em academia preparatória próxima à fronteira com o Brasil que forma grande parte dos policiais no Uruguai. Elas passaram a trabalhar a autoestima e a imagem desses policiais com literatura e muito diálogo. Conseguiram estabelecer um relacionamento de confiança e a confidencialidade foi fundamental para esse processo. O trabalho fez com que casos de suicídio e mortes entre policiais diminuíssem muito no país e a ONG passou a ser referência na corporação.  No final dos trabalhos com a ONG, os policiais resumiram o sucesso da iniciativa em uma frase: “Desafiados a servir, alentados a vivir”.

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