Transtornos alimentares e Covid- 19

Rodrigo Barreto Huguet – Médico psiquiatra, mestre em neurociências pela UFMG, preceptor de psiquiatria do Ipsemg, onde coordena os ambulatórios de transtorno bipolar, transtornos alimentares e terapia cognitiva comportamental. Psiquiatra de ligação da Rede Mater Dei e do Hospital Socor e membro da diretoria da AMP.

Os transtornos alimentares (TA) são prevalentes e abrangentes, causando sofrimento mental, doenças clínicas e prejuízos psicossociais em pessoas de todas as idades, gêneros e orientação sexual. Adolescentes e adultos jovens do sexo feminino estão sob maior risco(1). Uma revisão sistemática mostrou prevalência na vida de 1,4% de anorexia para mulheres e 0,2% para homens, 1,9% de bulimia para mulheres e 0,6% para homens e de Transtorno de compulsão alimentar (TCA) de 2,8% para mulheres e 1% para homens(2). Apesar da prevalência dos transtornos alimentares estar aumentando, apenas 20 % dos indivíduos afetados buscam tratamento (1).

Um aspecto central da anorexia e bulimia nervosas é a crença de que o valor pessoal está diretamente vinculado à capacidade de controlar o peso e a alimentação. A anorexia nervosa(AN) é um dos transtornos mentais mais graves, de tratamento mais complexo e de maior mortalidade. As principais características para o diagnóstico são a restrição alimentar visando a perda de peso e sua manutenção abaixo do normal, medo de engordar e alteração da imagem corporal, com a pessoa acreditando estar gorda mesmo emagrecida. O DSM-V divide a AN em dois subtipos, o restritivo, em que ocorre apenas a restrição alimentar, e o compulsão periódica/purgativo, no qual jejuns prolongados são intercalados por episódios de excessos alimentares, frequentemente seguidos por purgação(3).

A bulimia nervosa(BN) geralmente se inicia após um período de dieta, que pode ou não ter sido bem sucedida, porém sem nunca haver perda de peso compatível com o diagnóstico de AN. Os períodos de restrição alimentar são intercalados por episódios bulímicos, que se caracterizam pela ingestão de quantidade excessiva de alimentos calóricos, durante os quais a paciente tem a sensação de descontrole do comportamento, e que são interrompidos por dor, desconforto abdominal ou vômito auto-induzido. Após os episódios, a pessoa sente-se angustiada e culpada, e lança mão de mecanismos compensatórios a fim de evitar ganho de peso.

Pacientes com transtorno de compulsão alimentar periódica apresentam os episódios de comer compulsivo, porém sem os mecanismos compensatórios. Pacientes obesos com TCAP apresentam maiores índices de ansiedade, depressão, transtornos de personalidade, impulsividade e dificuldades para perder peso do que obesos sem TCAP(4).

O principal sintoma do transtorno alimentar evitativo restritivo é a própria evitação ou restrição alimentar, acompanhado de ao menos um dos seguintes: perda de peso ou dificuldade em atingir o peso esperado para a idade, deficiências nutricionais, dependência de sonda nasogástrica ou suplementos, e repercussões psicossociais. Pode ocorrer por desinteresse com a comida, aversão sensorial ou medo de engasgar ou vomitar. Ao contrário da anorexia, não há desejo de emagrecer ou distorção da imagem corporal(1).

O paciente com transtorno alimentar que procura tratamento frequentemente sente-se ambivalente quanto a revelar ou não seus problemas e resistente a se tratar. A abordagem terapêutica deve ser preferencialmente multidisciplinar, com equipe integrada que aborde os aspectos clínicos, psicológicos e nutricionais, com profissionais que se comuniquem e tenham objetivos e metas de tratamento claras e comuns.

O primeiro passo do tratamento da AN é promover a restauração do peso, devido às complicações clínicas e ao fato que boa parte dos sintomas psiquiátricos, como humor deprimido e comportamentos obsessivos relacionados à alimentação, podem ser parcialmente secundários à desnutrição. Deve-se decidir então se o tratamento será iniciado em regime ambulatorial, de hospital-dia ou internação. A internação está indicada quando há alterações clínicas que coloquem em risco o paciente, perda rápida ou drástica de peso, IMC menor que 14 ou risco de suicídio(5). Deve ser efetuada preferencialmente em hospital geral com suporte psiquiátrico e psicológico, ou em hospital psiquiátrico com acompanhamento clínico e nutricional apropriados.

A olanzapina foi a única medicação que se provou útil para o ganho de peso em pacientes com anorexia, porém com resultados modestos, na média cerca de 700 gramas ao mês. O uso de antidepressivos frequentemente está indicado para o tratamento de sintomas depressivos ou ansiosos comórbidos que não melhoram com a restauração do peso

A terapêutica com mais evidência de eficácia para crianças e adolescentes que vivem com os pais é a terapia de família. As psicoterapias individuais com evidências de eficácia têm em comum uma abordagem focada na anorexia nervosa, no ganho de peso e na reabilitação nutricional(6).

As opções terapêuticas de eficácia comprovada atualmente para a BN são a terapia cognitivo-comportamental (TCC), terapia familiar em adolescentes e jovens que moram com a família e farmacoterapia. A fluoxetina é a droga que tem dados mais consistentes a seu favor, com resultados mais favoráveis com doses mais altas, entre 60 a 80mg/d. Topiramato também demonstrou redução nos episódios bulímicos e no peso. A adição de TCC ao tratamento com antidepressivos mostrou-se superior a cada um dos tratamentos isolados(7).

        O tratamento do TCA visa a redução dos episódios de compulsão alimentar (ECA), o tratamento dos sintomas ansiosos e depressivos associados e a atingir um peso e parâmetros metabólicos mais saudáveis.

      Terapia cognitivo comportamental (TCC), psicoterapia interpessoal e terapia comportamental dialética demonstraram eficácia para o tratamento do transtorno de compulsão alimentar, porém não há comprovação de que acarretem perda de peso. O topiramato, em doses entre 100 a 600 mg/ dia, tem bons resultados na redução dos ECA, acompanhado de perda de peso. O tratamento com antidepressivos serotoninérgicos tem mostrado melhora significativa na redução dos ECA e da psicopatologia associada, porém em geral sem resultados em relação à perda de peso. A lisdexanfetamina é a única medicação aprovada pela US Food and Drug Administration, a partir de 50 mg, com eficácia para os ECA e na perda de peso(8). Sugiro considerar as comorbidades e os efeitos colaterais na escolha da medicação.

      Vários estudos mostraram aumento dos sintomas alimentares e redução dos níveis de atividade física durante a pandemia, não só nos portadores de TA, mas também na população em geral. Prováveis fatores precipitantes são o isolamento e o aumento no estresse e emoções negativas associados a pandemia(9,10). Isso é mais grave quando se considera que a obesidade é fator de mau prognóstico para os infectados por Covid- 19. Um fator positivo foi o aumento do uso de ferramentas como atendimentos e reuniões clínicas online(11).

       Cabe aos psiquiatras permanecermos atentos ao diagnóstico e tratamento adequado aos nossos pacientes com TA, além das orientações de hábitos alimentares saudáveis, atividade física regular e cuidados gerais com a saúde para todos nossos pacientes. E também de fazer bom uso das ferramentas terapêuticas potencializadas pela pandemia, fazendo atendimentos online quando conveniente e reuniões clínicas virtuais com colegas da equipe multidisciplinar para discutirmos casos mais complexos.

 

Referências:

  1. Treasure D, Duarte TA, Schmidt U. Eating disorders. Lancet, 2020, 395, 899-911.
  2. Galmiche M, Déchelotte P, Lambert G, Tavolacci MP. Prevalence of eating disorders over the 2000–2018 period: a systematic literature review. Am J Clin Nutr 2019; 109: 1402–13.
  3. Manual diagnóstico e Estatístico de transtornos mentais – 5.ed,; DSM5. Artmed Editora, 2014.
  4. Hilbert, A. Binge-eating disorder. Psychiatric Clinics, 2019 , 42(1), 33-43.
  5. Hay, P., Chinn, D., Forbes, D., et al. Royal Australian and New Zealand College of Psychiatrists clinical practice guidelines for the treatment of eating disorders.

Australian & New Zealand Journal of Psychiatry, 2014; 48(11), 977-1008.

  1. Mitchell JE, MD, Peterson, CB. Anorexia nervosa. N Engl J Med, 2020, 382, 1343-51.
  2. Hagan, KE., Walsh BT. State of the Art: The Therapeutic Approaches to Bulimia Nervosa. Clinical Therapeutics, 2021, 43, 40-9.
  3. Hay, P. Current approach to eating disorders: a clinical update. Internal medicine journal, 2020, 50(1), 24-29.
  4. Termorshuizen, Jet D., et al. “Early impact of COVID‐19 on individuals with self‐reported eating disorders: A survey of~ 1,000 individuals in the United States and the Netherlands.” International Journal of Eating Disorders11 (2020): 1780-1790.
  5. Lin, Jessica A., et al. “The Impact of the COVID-19 Pandemic on the Number of Adolescents/Young Adults Seeking Eating Disorder-Related Care.” Journal of Adolescent Health(2021).
  6. Feinmann J. Eating disorders during the covid-19 pandemic. 2021 Jul 19;374:n1787.

 

 

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